O Gênio do Rio
(fábula
africana)
B
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astou que uma única vez visse, para que, aos olhos do jovem Ghiase, a
formosíssima Eme passasse a ser a mais bela rapariga de toda a região. Sem perda de tempo, pediu aos pais sua mão.
Depois, regressou à sua própria aldeia, para cuidar de preparar as bodas.
No auge da felicidade, decantava a parentes e amigos a formosura sem par
da noiva.
O pai de Eme era um homem muito rico e queria que a filha chegasse à
aldeia do noivo com séquito apropriado; comprou-lhe a escrava mais bela e
ordenou à filha caçula que acompanhasse a irmã.
E assim foi que Eme, finalmente pronta para as núpcias, deixou sua casa
acompanhada pela escrava e pela irmãzinha. Tinham por diante um dia inteiro de
caminhada para chegar à aldeia do noivo, mas iam alegres e nem sentiam a
canseira da jornada.
Pouco antes do pôr do sol, avistaram a aldeia. Como estivessem à beira de
um rio, tiveram a ideia de banhar-se para limpar o corpo da poeira do caminho.
O rio era habitado pelo gênio das águas, que tinha poderes em todo o seu
curso. Mas Eme não sabia disso e foi a primeira a descer à margem e a pôr os
pés na água fresca, enquanto a irmã vinha atrás e a escrava, parada,
observava-a.
Agora, é preciso que se diga que a escrava se deu conta de que o gênio
tinha os olhos postos nela, mas nada fez para deter Eme. Pelo contrário, deu-lhe
até uma empurradela e a moça foi cair bem perto do gênio, que a agarrou e
levou-a consigo para o fundo do rio.
A irmãzinha desatou em pranto, mas a escrava ameaçou-a:
— Se continua a chorar, jogo-a no rio e terá a sorte de sua irmã. Ai de
você se contar a alma viva o que viu! Venha comigo e conserve-se sempre calada!
Com estas palavras, entregou sua trouxa à menina e com ela se encaminhou
para a aldeia de Ghiase.
Quando Ghiase as viu paradas à porta de sua casa, teve um ligeiro
desaponto: parecia-lhe não reconhecer naquela moça a formosíssima noiva que
escolhera. Mas pensando que a viagem, talvez, a tivesse fatigado, fê-la entrar,
para que repousasse.
Depois, reuniu toda a comunidade, para organizar jogos e banquetes. Os que chegavam, porém,
deitavam uma olhadela à escrava e, com seus botões diziam: “Seria essa a
beldade cuja formosura Ghiase tanto decantou?!”
Todavia, não deixavam transparecer sua decepção para não desgostá-lo.
Ghiase era muito querido de todos.
Iam-se passando os dias e o noivo, ora por um motivo, ora por outro,
adiava sempre a cerimônia do casamento.
A moça apresentara a irmãzinha de Eme como uma jovem escrava a seu
serviço. Tratava-a pessimamente; estava sempre a repreendê-la e lhe batia com
um bastão. Pretendia que fosse diariamente ao rio, com cântaros enormes, para
lhe trazer água fresca.
A pequena tinha vontade de rebelar-se e de contar a Ghiase tudo o que se
passara no rio, mas o temor da escrava mantinha-a calada.
Ghiase, que se dera conta dos maus tratos a que era submetida, um belo
dia perguntou à escrava:
— Por que é tão
má com essa menina?
— Porque tem um gênio difícil e rebelde.
— Trate de ser mais bondosa com ela e verá como lhe obedece.
Ela nada respondeu, mas assim que Ghiase se retirou voltou a maltratá-la.
Certo dia, foi a pequena ao rio buscar água, mas o cântaro quando cheio
pesava tanto que não conseguia erguê-lo para colocá-lo à cabeça. Desanimada,
sentou-se à beira do rio e desandou a chorar desesperadamente.
De súbito, das águas do rio, surgiu uma rapariga de rara beleza: era Eme
que, ouvindo chorar a irmãzinha, pedira ao gênio que a deixasse subir à
superfície um instante só, para ajudá-la. O gênio, sabendo que Eme não poderia
fugir ao seu poder, consentiu.
Ao ver a irmã, o
desespero da pequena aumentou:
— Não me abandone! Implorava, contando-lhe suas desventuras. A escrava
faz judiação comigo... bate-me com um pau...
— Ghiase ainda não se casou com ela: está sempre adiando o casamento.
— Sossegue irmãzinha; sossegue, que um dia hão de ter fim as nossas
angústias.
E, com estas palavras, a bela Eme mergulhou de novo.
A irmãzinha voltou para casa consolada; mas a escrava, vendo-a tão
serena, redobrou os maus tratos, mais por necessidade de desabafar o despeito
que sentia por aquele casamento eternamente adiado.
Passaram-se alguns dias.
Certa manhã, quando a menina, na beira do rio, chamava pela irmã, por ali
passou um caçador, amigo de Ghiase. Ouvindo o choro e os apelos da pequena,
escondeu-se atrás de umas árvores e ficou à espreita. Foi assim que viu
abrirem-se as águas do rio e dele emergir uma jovem de rara beleza, que chegou
até à margem para consolar a pequena e ajudá-la a carregar o cântaro à cabeça.
Assim que a lindíssima figura sumiu de novo nas águas do rio, o caçador
saiu correndo e, num instante, chegou ao campo onde Ghiase estava trabalhando.
— Ghiase! Gritou-lhe de longe, todo resfolegante. Deixei, agora mesmo, lá
na margem do rio, aquela escravazinha que chegou à aldeia acompanhando sua
noiva...
— E então? perguntou Ghiase, que não podia ouvir falar em sua noiva sem
sentir um aperto no coração.
— Então, preste atenção: ela chamou e chorou até que, do rio saiu uma
jovem encantadora, que a menina chamava
de Eme...
— Eme?! Mas...
então...
— Eu sei: assim se chama sua noiva. Acho que deslindei o mistério,
Ghiase. A jovem do rio é sua verdadeira noiva, que o gênio das águas raptou; a
outra, essa que está na aldeia, é uma impostora.
— Sim, sim; deve ser isso. Amanhã irei, também, ao rio.
Na manhã seguinte, enquanto a menina, na beira do rio, chamava pela irmã,
Ghiase e o caçador, dissimulados atrás das árvores, atentos e ansiosos, tinham
os olhos cravados no rio. Quando Eme apareceu, Ghiase deu um grito:
— É ela!
Os dois amigos voltaram à aldeia, imaginando qual seria a melhor maneira
de derrotar o gênio das águas.
— Não vejo senão a velha do rio para nos ajudar, acabou dizendo o
caçador.
— Tem razão! Concordou Ghiase.
A velha do rio vivia há mais de cem anos numa cabana bem rente à água.
Sua casa resistia às enchentes, porque, naquele lugar, as águas, ao invés de
crescer, diminuíam, deixando-a em seco.
Ghiase foi procurá-la e pô-la a par de tudo. Por fim, a velha disse:
— Alguma coisa pode-se tentar. Traga-me uma cabra branca, uma galinha
branca, uma peça de tecido branco e um cesto de ovos. E deixe o resto por minha
conta.
Ghiase providenciou com a maior presteza tudo o que a velha lhe pedira;
mas foi preciso esperar outros sete dias, antes que chegasse o tempo favorável.
Finalmente, a velha foi, sozinha, para a beira do rio. Fez entrar no rio a
cabra e a galinha; atirou na água, um a um, todos os ovos e, por fim, estendeu
sobre as águas o tecido branco, que a correnteza levou.
Logo após, as águas abriram-se e a bela Eme surgiu.
— Seja bem-vinda, Eme, disse-lhe a velha. Não tema; sou sua amiga e estou
aqui para ajudá-la.
Tomando a moça pela mão, levou-a para a cabana e escondeu-a no canto mais
escuro.
Dali a pouco chegou Ghiase com o amigo caçador. É fácil imaginar qual não
foi a alegria dos noivos, ao se encontrarem, finalmente.
Eme perguntou logo pela irmãzinha e Ghiase mandou o amigo à beira do rio.
Assim que a viu aparecer, com seu cântaro, para o encher de água, tomou-a
pela mão e conduziu-a à cabana da velha. As duas irmãs riam e choravam ao se
abraçar, com o coração cheio de alegria. Por fim, Eme disse à irmã que voltasse
para casa e deu-lhe instruções sobre o que devia fazer.
Alegre e feliz, a pequena saiu a correr, entrou na cabana, onde a escrava
estava sentada, pensando, talvez, em como levar Ghiase a desposá-la, e gritou:
— Você é má, quis matar Eme e enganou Ghiase, por isso terá o tratamento
que merece!
— Onde foi buscar tamanha ousadia, pequena atrevida?! Espere que eu a
agarro!...
Tomou o bastão e deitou a correr ao encalço da menina que, veloz como
azougue, ia em direção à cabana da velha do rio, onde Eme e os outros
esperavam.
Entrou pela porta adentro e a escrava sempre atrás dela. Mas Eme apareceu
e ela, espantada, ficou sem saber o que fazer, nem o que dizer.
Recomeçou a correr, mas em sentido oposto. Desatinada que estava, não
percebeu que chegava ao rio e caiu nágua. Foi logo arrastada pelo gênio, que a
manteve prisioneira, em lugar de Eme.
Eme e Ghiase puderam, finalmente, casar-se. E viveram juntos longos anos
de felicidade ininterrupta.
BIBLIOGRAFIA
Texto e imagens transcritos de:
FREIRE, Plinio Jucá. Fantasia Colorida da Criança. Ed. Focus,
São Paulo-SP. 1990
Ps. Minha filha sempre adorou ouvir fábulas dessa enciclopédia. Adorava ouvir e ver as imagens. Imagino seus elaboradores fazendo tudo caprichosamente. Espero que mães e pais ainda se empolguem em comprar e em ler Fantasia Colodria da Criança para seus pequenos amores e futuros leitores!
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