Antonia Filgueiras de Paula
Zeneide Maria Filgueiras
No cotidiano escolar, às crianças são feitas
solicitações de produções textuais. Essas produções tem como fim verificação a
questões meramente formais e limita-se a ser lido pelo professor que
emite avaliação. A escrita não tem função social, não serve para comunicar algo
que seja valoroso ao aluno, o que reduz a escrita a uma produção mecânica.
Os alunos de 5ª série de uma escola pública de
Palmas, advinha, a maioria, de bairro de invasão, não tem habilidade de
produzir textos dissertativos. Entretanto, o discurso argumentativo facilita o
desenvolvimento uma postura crítica que oportuniza os alunos a refletirem sobre
a realidade onde vivem, pois a produção escrita fala do contexto e conversa com
o leitor.
Essas crianças não têm sido estimuladas a
descobrirem a função social da escrita. Suas produções não são lidas por seus
colegas, suas crenças não são divulgadas, seu estilo não é considerado ou
avaliado. Muitos professores ainda não efetivaram a prática da construção de
textos argumentativos e não reconhecem a importância da produção como difusora
das ideias da criança e assim propagadora da prática de escrever para levar o
pensamento. E o ato de ler e escrever por prazer geralmente não é um hábito que
faz parte das relações familiares nessa comunidade socialmente desfavorecida.
A prática de discursos argumentativos, orais e
escritos, desde a 5ª série ajuda na formação da identidade porque as crianças
percebem-se com vez, voz e opinião própria na escola, adquirindo consciência de
si mesmos e da construção de sua subjetividade, pois se não fizermos isso desde
pequenos, como vamos querer que, mais tarde, eles se conscientizem do
significado de ser político? Como foi dito por Faria, (1996:p26):
“(...)gostaria de deixar aos colegas uma mensagem
de coragem,
para defendermos não amodernidade material, técnicos – esse falso
progresso – mas um tratamento humanista das coisas públicas e uma escola que
forme o cidadão-gente.”
Isso ocorre porque no argumentar a criança toma
posição crítica do assunto, no intuito de persuadir usa a linguagem para
construir argumentos. Ler o mundo e inserir-se nele, acordando com o que diz
Gnerre (apud Geraldi, 2002: p.44)”A começar do nível mais elementar de relações
com o poder, a linguagem constitui o arame farpado mais poderoso para bloquear
o acesso ao poder”.
A criação de textos proposta é uma atividade em que
se produzem discursos. E para tanto a produção carece de sentido: dizer o que
se quer para alguém real e, assim, construindo-se como sujeito, não alienado na
sociedade. É o que propõem Dell’Isola e Mendes (1997: p.74):
“É
necessário ajudar a criança a conquistar um lugar no mundo
que se dê
significado àsopiniões
e a realidade dos atos e não
perpetuar a alienação de sua necessidade –
bloqueia
a sua enunciação enquanto sujeito e a transforma em
aprendiz de estereótiposde uma
visão esquemática do real.”
Esse trabalho pressupõe demonstrar que as crianças
de 5ª série são capazes de construir textos escritos emitindo definições,
explicação e sustentando opiniões. Desenvolver a identidade infantil pelo
exercício de argumentar, em que conste expressar o seu conhecimento, a sua
percepção de realidade dotados de sentido e de visão social a seu próprio modo.
E eis que a formação de seres críticos e
participantes, que se percebem no mundo e se sentem capazes de agir e
transformar sua realidade depende de exercício contínuo.
As atividades desenvolvidas envolveram um grupo de
alunos de três salas de 5ª série de uma escola municipal de Palmas – TO. A
maioria dos alunos é oriunda de famílias trabalhadoras de baixa renda, com
predominância de subemprego e altos índices de desemprego.
O método empregado neste trabalho fundamenta-se na
abordagem qualitativa dos fenômenos educacionais, com relação ao discurso
argumentativo escrito.
O planejamento das atividades visando a produção de
textos argumentativos foi baseado na proposta de ensino em grupos. De acordo
com Beard (1972) é por meio do processo grupal que se promove o pensamento
crítico e lógico, o desenvolvimento de habilidades orais de alta qualidade e
mudanças de atitude. Vemos (Jaques: 1987) que o ensino em grupos oportuniza
organizar o pensamento pela comparação recíproca de ideias e interpretações,
desenvolvendo a habilidade de pensar, de comunicar-se, a possibilidade de
persuadir e a mudança de atitude.
A criança ao mesmo tempo em que vai compreendendo
as características próprias de seu discurso argumentativo oral, vai também
compreendendo e desenvolvendo as do tipo argumentativo escrito.
O professor deve ser mediador e estabelecer clima
de aceitação, tanto de pessoas como de ideias e sentimentos, condição básica
para que o grupo tenha sucesso e deve ainda ter habilidade de fazer perguntas
ao grupo e ser receptivo às respostas e contribuições dos membros dos grupos.
(RODRIGUES Jr: 2002).
Foram coletados dados relacionados com a produção
escrita das crianças em sala de aula, como produto das interações em sala de
aula.
Em cada etapa de produção escrita foram realizados
três processos, cada uma desenvolvida em um bimestre letivo; todo o trabalho
realizado durante o ano escolar de 2004. Os caminhos seguidos são descritos:
Todas as produções escritas tiveram como ponto de
partida conversas investigativas no grupo sobre fatos ocorridos na comunidade.
Os alunos se organizaram em grupos de dois a três
componentes, por afinidade, dispostos em círculo para que fossem vistos e se
vissem entre si, de modo que oportunizasse melhor desempenho do grupo.
Foram solicitados às crianças relatos do seu
cotidiano e o professor circulando entre os grupos a fim de encorajar a
participação de todos, incentivando os tímidos e controlando os loquazes. O
professor atua problematizando e questionando pontos levantados, promovendo
discussões com argumentos em favor e contra as ideias apresentadas, faz
perguntas especificando alunos mais retraídos, possibilitando a participação
efetiva dos alunos. Estabelece-se, assim, um momento de intensa rede de
opiniões e argumentos que termina quando o professor verifica, junto aos
alunos, o tema mais debatido e verifica o interesse da turma em buscar
informações, debater e escrever sobre o tema. Os escolhidos foram; lugar onde
moro - formação de invasões; gente que tem amigos - amizade ou grupo?; direito
à vida - terceira idade.
Foram realizadas atividades visando à obtenção de
informações sobre o tema. Para isso o professor proveu o material (Beard: 1972)
que foi objeto de discussão: textos, jornais, revistas, relatos de noticiários
e depoimentos dos próprios alunos. Esses momentos de estudo foram seguidos de
novos momentos de estudo foram seguidos de novos momentos de discussão, troca
de experiência e opiniões entre os membros do grupo, tentando identificar as
possíveis causas e consequências dos problemas estudados. Os alunos foram
incentivados a identificar a opinião do autor sobre o assunto em questão.
Depois do estudo e discussão em grupos, o assunto
foi debatido em plenária, onde cada um foi incentivado a posicionar-se sobre o
assunto, sem que o professor tivesse respondido a questões que pudessem ser
atendidas por alguém do grupo ou que desestimulasse a participação das crianças
com correções nas primeiras contribuições dadas, atentando-se para que as
conclusões fossem do grupo e não do professor. (Beard: 1972)
Em alguns trabalhos foi dada a oportunidade do
grupo construir um texto, em outros a produção foi individual, sempre alertas
em expressar a tônica dos debates.
Os textos foram devolvidos a seus criadores para refacção, após leitura do professor, com anotações de malformações ou inconsistências encontradas, de modo que fossem aprofundados os argumentos críticos, frente às posições assumidas.
Os textos foram devolvidos a seus criadores para refacção, após leitura do professor, com anotações de malformações ou inconsistências encontradas, de modo que fossem aprofundados os argumentos críticos, frente às posições assumidas.
Para finalizar cada processo, os alunos foram
incentivados (não obrigados) a lerem os textos ou representarem-nos para o
grupo. Os vários livros confeccionados pelos e ilustrados pelos alunos (foram
trabalhados, ainda, em 2004, adivinhas, história de vida, entrevistas, inventos
fantasiosos, se fosse mais velho..., brincadeiras de época, jornalzinho
cronológico, anúncios publicitários) foram apresentados aos demais alunos da
escola e à comunidade local, a fim de divulgar as opiniões emitidas pelos deus
autores, no encerramento da semana de arte, em 20 de novembro de 2004.
A comparação entre os primeiros textos e os últimos
é que dá o parâmetro para atribuição de desenvolvimento da habilidade de
produzir textos dissertativos das crianças. Um aluno que ao final dos trabalhos
não apresente ideias seguidas de argumentos que as comprovem não terá
conseguido fazer um texto argumentativo, sendo esse um critério que se desvia
da verificação dos aspectos meramente formais de textos. A avaliação não será
do produto, mas do processo. (Geraldi: p.69)
O discurso argumentativo deve ser identificado
tanto na oralidade como na produção escrita. Isso porque gerar a habilidade das
crianças dessa idade em discursos argumentativos implica em emissão de
julgamento de valor a partir de experiências mais cotidianas e coletivas de
persuadir, além de ser capaz de sustentar uma posição assumida com o uso de
pelo menos um argumento e no decorrer do trabalho aumentar a ocorrência
dos argumentos, pois a construção dos argumentos nas discussões dá significado
às opiniões. Com relação ao desenvolvimento de habilidades orais, aos
estudantes, através da discussão em grupo, resulta de discussão de alta
qualidade. (Berd: 1972)
Além disso, é preciso levar em conta a clareza, a
objetividade e a fidelidade ao tema assinalando as malformações textuais como
contradição, circularidade e desarticulação de ideias.
Para verificação do pensamento crítico se verifica
o uso de mais de uma hipótese para explicar as ideias, assim como mais
diretividade dos alunos (Beard: 1972), pois as discussões e os escritos
funcionam como meio para se alcançar certos objetivos, o que os leva a uma
situação de comunicação afetiva, e por isso efetiva.
Só a partir do momento em que os alunos utilizarem a escrita numa situação real, isto é, numa situação em que se constituem como sujeitos, que pesquisam e emitem opiniões sobre assunto de seu interesse produzem textos melhores.
Só a partir do momento em que os alunos utilizarem a escrita numa situação real, isto é, numa situação em que se constituem como sujeitos, que pesquisam e emitem opiniões sobre assunto de seu interesse produzem textos melhores.
Referências Bibliográficas:
BAGNO, Marcos. Pesquisa na escola, 6, ed. São Paulo: Edições Loyola, 2001.
BEARD, R. Teaching and learning in higher education.
Middlesex,
England: Peguin Books, 1972. Versão e adaptação de José Florêncio Rodrigues
Jr., Universidade Católica de Brasília.
DELL’ISOLA, Regina Lúcia Péret &
MENDES, Eliana Amarante de Mendonça (orgs.). Reflexões sobre a língua portuguesa: ensino e pesquisa. Campinas,
SP: Pontes, 1997.
FAZENDA, Ivani (org.). Metodologia da pesquisa educacional, 4
ed. São Paulo: Cortex, 1997.
FARIA, Maria Alice. O jornal na sala de aula, 4 ed. São Paulo: Contexto, 1999.
FRANCO, Ângela. Metodologia de ensino: Língua Portuguesa, Belo Horizonte, Editora
Lê: Fundação Helena Antipoff, 1997.
GERALDI, João Wanderley. (org.) O texto na sala de aula, 3 ed. São
Paulo: Ática, 2002.
HUHNE, Leda Miranda (org.) Metodologia científica: caderno de textos e
técnicas, 7 ed. Rio de
Janeiro: 2002.
JAQUES, D. The International Encyclopedia of Teaching
and Teacher education. Oxfor: Pergamon Press, 1987.
Tradução de Josê Florêncio Rodrigues Jr., Universidade Católica de Brasília.
KLEIMAN, Ângela. Leitura: ensino e pesquisa. Campinas, SP: Pontes, 1989.
PARRA FILHO, Domingos & SANTOS, João
Almeida. Metodologia Científica, 3
ed. São Paulo: Futura, 1998.
KOCH, Ingedore Villaça. A coesão textual, 2 ed. São Paulo:
Contexto, 1990.
RODRIGUES JUNIOR, José Florêncio. Manual para formação do Instrutor.
Brasília: Universa, 2002.