A vida

"A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos."

(Charles Chaplin)

domingo, 3 de março de 2013

A Filha do Sol e da Lua




(fábula africana)


Kia-Tumba era o mais belo rapaz da tribo e não havia moça que não sonhasse casar-se com ele. Em vão, porém, o pai lhe dizia:
            — Meu filho, já é tempo de se casar: escolha a moça que o agradar.
Kia-Tumba fazia ouvidos de mercador e continuava solteiro. Um belo dia, porém, cansado de ouvir sempre o mesmo refrão, respondeu secamente:
— Não me caso com mulher da terra.
Estupefacto o pai arregalou os olhos e perguntou:
— Com quem, então, pretende casar, pode-se saber?
— Se é mesmo preciso que eu me case, então quero a filha do Sol e da Lua.
— Mas, quem é que pode ir até o céu pedir a mão desta senhorita?
— Não sei: mas sei que é ela que eu quero e não me casarei com nenhuma outra.
Tomaram-no por doido. E, desde esse dia, o pai não lhe falou mais em casamento.
Kia-Tumba, no entanto, metera na cabeça aquela idéia fixa. E, um belo dia, escreveu ao Sol uma carta que era um pedido de casamento feito em regra. Depois, foi procurar o cervo, para lhe confiar a fim de que a levasse a seu destino. Mas o cervo abanou a cabeça.
— Não, eu não posso ir até o céu. 
Kia-Tumba dirigiu-se, então, ao antílope, mas ele se recusou, também.
— Não posso ir até lá.
O jovem recorreu ao falcão, mas o falcão abrindo as asas, negou-se:
— Não posso ir até o céu.
Por fim, foi ao abutre, mas sua resposta foi igualmente negativa.
— Eu subiria até meio caminho, mas até o céu não posso chegar.
Então, Kia-Tumba desistiu. Resignado, fechou a carta numa caixa, pensando que aquele casamento era assunto encerrado.
O Sol e a Lua tinham escravas que desciam à terra para buscar água das fontes. Mais de uma vez, a rã as vira.
E quando a rã ouviu falar do jovem Kia-Tumba e em seu estranho desejo de casar-se com a filha do Sol e da Lua, tomou-se de curiosidade. E foi procurá-lo.
— Fez pedido de casamento por escrito?
— Claro que fiz. Mas não encontro quem o leve até o céu.
— Pois dê-me essa carta e entregá-la-ei.
— Você! Como vai poder chegar lá em cima, se nem mesmo os pássaros o conseguem?
Entretanto, como não tivesse nada a perder, Kia-Tumba entregou a carta à rã. Porém, em tom de ameaça, acrescentou:
— Se não for capaz de chegar até o céu, vai levar uma surra de que se lembrará para o resto da vida!
A rã não se dignou sequer a responder. Foi ao poço onde as escravas do Sol e da Lua vinham buscar água, pulou lá para dentro e ficou bem quietinha.
Não teve muito que esperar. Logo mais, de fato, chegavam as escravas e desciam os cântaros ao poço. Num deles meteu-se a rã. Uma vez cheios, puxaram-nos para cima. Depois, voltaram para o céu e os depositaram num grande cômodo que servia de reservatório. Feito isso, retiraram-se.
No meio do quarto, havia uma grande mesa redonda. A rãzinha saltou para fora do cântaro, colocou a carta na mesa e foi esconder-se no cantinho mais afastado.
Dali a instantes, o Sol entrou e deu logo com a carta.
— De onde vem esta carta? Perguntou às escravas.
— Não sabemos, responderam elas.
O Sol abriu-a e leu:
“Eu, Kia-Tumba, homem da terra, desejo casar-me com a filha do senhor Sol e da senhora Lua.”
Era inesperado, era inaldito, um fato daqueles! Intrigado, o Sol pensava:
“Esse tal de Kia-Tumba é habitante da terra; eu vivo no céu. Quem terá trazido até aqui essa carta?”
Mas não falou a ninguém sobre o caso e tornou a colocar a carta no lugar onde a encontrara.
Acabara-se a água de novo e as escravas aprontavam-se para descer à terra. A rãzinha pulou para dentro de um cântaro vazio e, sem que a rapariga que o carregou à cabeça o percebesse, desceu dentro dele à terra.
Chegando ao poço as escravas mergulharam seus cântaros e, quando a rãzinha se viu lá no fundo, espirrou para fora e escondeu-se debaixo de uma pedra. Esperou que as moças se afastassem, para abandonar o poço. Depois, seguiu para a aldeia.
Chegando à cabana de Kia-Tumba, bateu à porta. O próprio Kia-Tumba veio atender e, ao ver quem era a visitante, acolheu-a friamente:
— Veio receber seu quinhão de pancadas? Onde está minha carta?
— Não vai me dar pancada nenhuma, porque seu pedido de casamento chegou a seu destino.
— A quem o entregou?
— À pessoa indicada.
— E por que não teve uma resposta?
— Isso eu não sei, respondeu a rãzinha. Mas, se quiser escrever mais uma vez, pedindo uma resposta eu volto ao céu e entrego a carta.
Kia-Tumba hesitava: temia que a rã brincalhona estivesse a fazer troça dele. Por outro lado, parecia tão sincera que o jovem acabou por lhe dar crédito e decidiu fazer o que sugeria.
Era mais ou menos este o texto da carta que escreveu:
 “Já lhes escrevi, senhor Sol e senhora Lua, pedindo a mão de sua filha. Torno, agora, a escrever para pedir seu consentimento.”

A rãzinha repetiu a façanha da outra vez. Pulou para dentro do poço, esperou que nele deitassem os cântaros as escravas do Sol e da Lua. Introduziu-se num deles e num instantinho chegou ao céu.
Esperou que saíssem do quarto da água, depositou na mesa a segunda carta e escondeu-se no mesmo cantinho.
O Sol entrou, notou a carta, leu-a e, cheio de curiosidade, interpelou as escravas:
— Meninas, quem vai buscar água na terra são vocês. Por ventura trouxeram esta carta até aqui?
— Não, patrão; não fomos nós, responderam todas em coro, sem a menor hesitação.
O Sol começava a estar intrigado: não sabia explicar como podia chegar até ele aquelas mensagens.
Tomou de uma folha de papel e escreveu:
“Você que me escreve e quer casar com minha filha, leia com atenção: consinto no casamento, desde que venha em pessoa entregar seu presente.”
Dobrou a folha, deixou-a sobre a mesa e saiu do quarto.
Rãzinha não perdeu tempo: pulou de seu canto, pegou a carta, escondeu-se num cântaro e voltou com ela para a terra.
Qual não foi o júbilo de Kia-Tumba diante da resposta do Sol! Rãzinha por pouco não ganhou um abraço.
— Alegra-me ver que você dizia a verdade, exclamou. Vou agora mesmo preparar meu presente e você o levará imediatamente para o céu.
Pôs numa bolsa quarenta moedas de cobre e escreveu uma terceira carta que dizia o seguinte:
“Senhor Sol e senhora Lua, este é meu primeiro presente. Fico aqui na terra tomando providências para o casamento.”
Usando o sistema de sempre, rãzinha levou até o céu a bolsa repleta de moedas de cobre e voltou para a terra.
Na semana seguinte, estava novamente no céu, com um saco cheio de moedas, presente de Kia-Tumba ao sogro, em regozijo pelo casamento.
Por fim, só o que restava por fazer era marcar a datas das bodas. O rapaz, porém, tardava em decidir-se, atormentado por uma idéia. Depois de muito matutar em vão, ao fim de onze dias, resolveu apelar para a rãzinha.
— Estou-me torturando, porque não consigo encontrar quem vá ao céu para me trazer de lá a noiva. O que hei de fazer?
— Não vejo razão para se apoquentar. Posso ir eu mesma e darei um jeito de trazê-la.
Kia-Tumba, porém, sacudia a cabeça, incrédulo, e dizia:
— Agradeço imensamente sua boa vontade. Conseguiu entregar as cartas e os presentes, é verdade; mas é absolutamente impossível chegar a trazer-me a noiva.
— Sossegue, replicou a rãzinha. E verá como serei capaz disso também. E, com essas palavras, foi-se. Chegou ao poço, escondeu-se e ficou pacientemente à espera de que as escravas fossem buscar água. Depois, como de costume, subiu ao céu e escondeu-se no cantinho de sempre.
Quando o Sol foi deitar-se e tudo ficou às escuras, rãzinha deixou seu esconderijo e penetrou no quarto onde dormia a filha do Sol e da Lua. Aproximou-se da cama e, trepando pelas cobertas, alcançou o travesseiro. E pousou delicadamente nos olhos cerrados da formosa jovem duas folhazinhas verdes.
Eram folhas mágicas: invisíveis aos olhos de todos, tiravam a vista a quem as usasse, impedindo que se abrissem as pálpebras.
De fato, na manhã seguinte, a moça despertou, mas não foi capaz de abrir os olhos. Pôs-se, então, a choramingar, queixosa.
A Lua, boa mãe, correu logo a sua cabeceira.
— O que tem, minha filha?
— Ó mamãe! Não consigo abrir os olhos e não enxergo!

O Sol acudiu, também, e ficou perplexo, pois não via as folhazinhas.
— O que seria isso? Resmungou. Mais parece obra de feitiçaria, pois ainda ontem minha filha enxergava perfeitamente.
— É preciso tomar alguma providência! Disse a Lua.
— Tratando-se de encanto, o melhor é pedir conselho ao feiticeiro, lembrou o Sol.
 Chamou imediatamente dois escravos e os mandou irem ao bruxo pedir-lhe a abalizada opinião.


O bruxo ouviu atentamente o relato dos dois escravos. Depois, sentenciou:
— A donzela enferma foi escolhida por um homem da terra. O homem atirou-lhe um encanto que diz assim: “Mandem-me aquela que escolhi para minha mulher; do contrário, morrerá dentro em pouco.” Avisem, pois, ao seu amo que envie a moça para a terra o quanto antes. Só assim poderá livrá-la da morte.
Os escravos regressaram e repetiram ao Sol as palavras do bruxo. Naturalmente, rãzinha, escondida em seu canto, ouvia tudo. Na manhã seguinte, pulou para dentro de um cântaro e desceu de novo à terra.
Assim que saiu do poço, apressada e saltitante, dirigiu-se a casa de Kia-Tumba. Este a aguardava ansioso.
— Alegre-se, alegre-se! gritou-lhe de longe, que a sua noiva chega hoje.
Não obstante, Kia-Tumba, incrédulo e desesperançado, suspirou com tristeza.
— Como é isso possível? disse. Havia de ser maravilhoso demais! É melhor que se vá embora, Rãzinha, porque começo a acreditar que você seja uma grande mentirosa!
— E eu repito e sustento que disse a verdade! O Sol deu ordem a aranha que tecesse uma teia resistente e tão comprida que desse para chegar à terra. Sua noiva virá escorregando de lá de cima até cá embaixo. Espere e verá se não é verdade o que digo...
E, com essas palavras, a rãzinha voltou ao poço e escondeu-se na água.
À noitinha, veio a aranha cor de prata descendo de mansinho, lá do céu até a beira do poço. E, atrás dela, a linda filha do Sol, seguida de suas escravas, deixava-se escorregar docemente lá de cima até cá embaixo.
A Rãzinha saiu, então da água e, com toda a delicadeza, desprendeu-lhe dos olhos as folhinhas. E ela pôde, por fim, abri-los. Depois, disse à moça que parecia assustada:
— Não tenha receio; vou levá-la eu mesma a presença de seu noivo.
Chegaram juntos à cabana de Kia-Tumba e rãzinha bateu à porta. Kia-Tumba atendeu e quase não podia crer no que os seus olhos viam.
— Aqui a tem, disse rãzinha, solene. Já vê que está cumprido o que lhe prometi.

E assim foi que Kia-Tumba, homem da terra, pôde desposar a filha do Sol e da Lua. E com ela viveu feliz por muitos e muitos anos.

BIBLIOGRAFIA
Texto e imagens transcritos de:
FREIRE, Plinio Jucá. Fantasia Colorida da Criança. Ed. Focus, São Paulo-SP. 1990

Ps. Minha filha sempre adorou ouvir fábulas dessa enciclopédia. Adorava ouvir e ver as imagens. Imagino seus elaboradores fazendo tudo caprichosamente. Espero que mães e pais ainda se empolguem em comprar e em ler Fantasia Colodria da Criança para seus pequenos amores e futuros leitores!



15 comentários:

  1. esse texto me ajudou de mais na minha redação e também o texto ele espira muitas pessoas e muito legal.

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  2. Qual é o nome dos personagens do conto

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    1. kia tumba ranzinha sol lua escravos bela aranha dilla rapazes moças pai de kia tumba ect

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  3. Ese. Texto. E. Muito. Linda. Espírito
    😀

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  4. ESTOU ESTUDANDO PARA A PROVA QUE EU VOU FAZER A REESCRITA DESSA HISTORIA.E PRESISO ESTUDAR E MUITO LÇEGAL A HISTORIA AINDA BEM QUE TEM NA INTERNET.KKKK

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  5. Eu achei muito interessantes e um pouco romântico

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