A vida

"A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos."

(Charles Chaplin)

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

O texto dissertativo como agente transformador: argumentar por quê? para quem?



 Antonia Filgueiras de Paula

Zeneide Maria Filgueiras

No cotidiano escolar, às crianças são feitas solicitações de produções textuais. Essas produções tem como fim verificação a questões meramente formais e limita-se a ser lido pelo professor  que emite avaliação. A escrita não tem função social, não serve para comunicar algo que seja valoroso ao aluno, o que reduz a escrita a uma produção mecânica.
Os alunos de 5ª série de uma escola pública de Palmas, advinha, a maioria, de bairro de invasão, não tem habilidade de produzir textos dissertativos. Entretanto, o discurso argumentativo facilita o desenvolvimento uma postura crítica que oportuniza os alunos a refletirem sobre a realidade onde vivem, pois a produção escrita fala do contexto e conversa com o leitor.
Essas crianças não têm sido estimuladas a descobrirem a função social da escrita. Suas produções não são lidas por seus colegas, suas crenças não são divulgadas, seu estilo não é considerado ou avaliado. Muitos professores ainda não efetivaram a prática da construção de textos argumentativos e não reconhecem a importância da produção como difusora das ideias da criança e assim propagadora da prática de escrever para levar o pensamento. E o ato de ler e escrever por prazer geralmente não é um hábito que faz parte das relações familiares nessa comunidade socialmente desfavorecida.
A prática de discursos argumentativos, orais e escritos, desde a 5ª série ajuda na formação da identidade porque as crianças percebem-se com vez, voz e opinião própria na escola, adquirindo consciência de si mesmos e da construção de sua subjetividade, pois se não fizermos isso desde pequenos, como vamos querer que, mais tarde, eles se conscientizem do significado de ser político? Como foi dito por Faria, (1996:p26):

“(...)gostaria de deixar aos colegas uma mensagem de coragem, 
para defendermos não amodernidade material, técnicos – esse falso progresso – mas um tratamento humanista das coisas públicas e uma escola que forme o cidadão-gente.”

Isso ocorre porque no argumentar a criança toma posição crítica do assunto, no intuito de persuadir usa a linguagem para construir argumentos. Ler o mundo e inserir-se nele, acordando com o que diz Gnerre (apud Geraldi, 2002: p.44)”A começar do nível mais elementar de relações com o poder, a linguagem constitui o arame farpado mais poderoso para bloquear o acesso ao poder”.
A criação de textos proposta é uma atividade em que se produzem discursos. E para tanto a produção carece de sentido: dizer o que se quer para alguém real e, assim, construindo-se como sujeito, não alienado na sociedade. É o que propõem Dell’Isola e Mendes (1997: p.74):

“É necessário ajudar a criança a conquistar um lugar no mundo
que se dê significado àsopiniões e a realidade dos atos e não
perpetuar a alienação de sua necessidade –
bloqueia a sua enunciação enquanto sujeito e a transforma em
aprendiz de estereótiposde uma visão esquemática do real.”

Esse trabalho pressupõe demonstrar que as crianças de 5ª série são capazes de construir textos escritos emitindo definições, explicação e sustentando opiniões. Desenvolver a identidade infantil pelo exercício de argumentar, em que conste expressar o seu conhecimento, a sua percepção de realidade dotados de sentido e de visão social a seu próprio modo.
E eis que a formação de seres críticos e participantes, que se percebem no mundo e se sentem capazes de agir e transformar sua realidade depende de exercício contínuo.
As atividades desenvolvidas envolveram um grupo de alunos de três salas de 5ª série de uma escola municipal de Palmas – TO. A maioria dos alunos é oriunda de famílias trabalhadoras de baixa renda, com predominância de subemprego e altos índices de desemprego.
O método empregado neste trabalho fundamenta-se na abordagem qualitativa dos fenômenos educacionais, com relação ao discurso argumentativo escrito.
O planejamento das atividades visando a produção de textos argumentativos foi baseado na proposta de ensino em grupos. De acordo com Beard (1972) é por meio do processo grupal que se promove o pensamento crítico e lógico, o desenvolvimento de habilidades orais de alta qualidade e mudanças de atitude. Vemos (Jaques: 1987) que o ensino em grupos oportuniza organizar o pensamento pela comparação recíproca de ideias e interpretações, desenvolvendo a habilidade de pensar, de comunicar-se, a possibilidade de persuadir e a mudança de atitude.
A criança ao mesmo tempo em que vai compreendendo as características próprias de seu discurso argumentativo oral, vai também compreendendo e desenvolvendo as do tipo argumentativo escrito.
O professor deve ser mediador e estabelecer clima de aceitação, tanto de pessoas como de ideias e sentimentos, condição básica para que o grupo tenha sucesso e deve ainda ter habilidade de fazer perguntas ao grupo e ser receptivo às respostas e contribuições dos membros dos grupos. (RODRIGUES Jr: 2002).
Foram coletados dados relacionados com a produção escrita das crianças em sala de aula, como produto das interações em sala de aula.
Em cada etapa de produção escrita foram realizados três processos, cada uma desenvolvida em um bimestre letivo; todo o trabalho realizado durante o ano escolar de 2004. Os caminhos seguidos são descritos:
Todas as produções escritas tiveram como ponto de partida conversas investigativas no grupo sobre fatos ocorridos na comunidade.
Os alunos se organizaram em grupos de dois a três componentes, por afinidade, dispostos em círculo para que fossem vistos e se vissem entre si, de modo que oportunizasse melhor desempenho do grupo.
Foram solicitados às crianças relatos do seu cotidiano e o professor circulando entre os grupos a fim de encorajar a participação de todos, incentivando os tímidos e controlando os loquazes. O professor atua problematizando e questionando pontos levantados, promovendo discussões com argumentos em favor e contra as ideias apresentadas, faz perguntas especificando alunos mais retraídos, possibilitando a participação efetiva dos alunos. Estabelece-se, assim, um momento de intensa rede de opiniões e argumentos que termina quando o professor verifica, junto aos alunos, o tema mais debatido e verifica o interesse da turma em buscar informações, debater e escrever sobre o tema. Os escolhidos foram; lugar onde moro - formação de invasões; gente que tem amigos - amizade ou grupo?; direito à vida - terceira idade.
Foram realizadas atividades visando à obtenção de informações sobre o tema. Para isso o professor proveu o material (Beard: 1972) que foi objeto de discussão: textos, jornais, revistas, relatos de noticiários e depoimentos dos próprios alunos. Esses momentos de estudo foram seguidos de novos momentos de estudo foram seguidos de novos momentos de discussão, troca de experiência e opiniões entre os membros do grupo, tentando identificar as possíveis causas e consequências dos problemas estudados. Os alunos foram incentivados a identificar a opinião do autor sobre o assunto em questão.
Depois do estudo e discussão em grupos, o assunto foi debatido em plenária, onde cada um foi incentivado a posicionar-se sobre o assunto, sem que o professor tivesse respondido a questões que pudessem ser atendidas por alguém do grupo ou que desestimulasse a participação das crianças com correções nas primeiras contribuições dadas, atentando-se para que as conclusões fossem do grupo e não do professor. (Beard: 1972)
Em alguns trabalhos foi dada a oportunidade do grupo construir um texto, em outros a produção foi individual, sempre alertas em expressar a tônica dos debates.
Os textos foram devolvidos a seus criadores para refacção, após leitura do professor, com anotações de malformações ou inconsistências encontradas, de modo que fossem aprofundados os argumentos críticos, frente às posições assumidas.
Para finalizar cada processo, os alunos foram incentivados (não obrigados) a lerem os textos ou representarem-nos para o grupo. Os vários livros confeccionados pelos e ilustrados pelos alunos (foram trabalhados, ainda, em 2004, adivinhas, história de vida, entrevistas, inventos fantasiosos, se fosse mais velho..., brincadeiras de época, jornalzinho cronológico, anúncios publicitários) foram apresentados aos demais alunos da escola e à comunidade local, a fim de divulgar as opiniões emitidas pelos deus autores, no encerramento da semana de arte, em 20 de novembro de 2004.
A comparação entre os primeiros textos e os últimos é que dá o parâmetro para atribuição de desenvolvimento da habilidade de produzir textos dissertativos das crianças. Um aluno que ao final dos trabalhos não apresente ideias seguidas de argumentos que as comprovem não terá conseguido fazer um texto argumentativo, sendo esse um critério que se desvia da verificação dos aspectos meramente formais de textos. A avaliação não será do produto, mas do processo. (Geraldi: p.69)
O discurso argumentativo deve ser identificado tanto na oralidade como na produção escrita. Isso porque gerar a habilidade das crianças dessa idade em discursos argumentativos implica em emissão de julgamento de valor a partir de experiências mais cotidianas e coletivas de persuadir, além de ser capaz de sustentar uma posição assumida com o uso de pelo menos um argumento e no decorrer  do trabalho aumentar a ocorrência dos argumentos, pois a construção dos argumentos nas discussões dá significado às opiniões. Com relação ao desenvolvimento de habilidades orais, aos estudantes, através da discussão em grupo, resulta de discussão de alta qualidade. (Berd: 1972)
Além disso, é preciso levar em conta a clareza, a objetividade e a fidelidade ao tema assinalando as malformações textuais como contradição, circularidade e desarticulação de ideias.
Para verificação do pensamento crítico se verifica o uso de mais de uma hipótese para explicar as ideias, assim como mais diretividade dos alunos (Beard: 1972), pois as discussões e os escritos funcionam como meio para se alcançar certos objetivos, o que os leva a uma situação de comunicação afetiva, e por isso efetiva.
Só a partir do momento em que os alunos utilizarem a escrita numa situação real, isto é, numa situação em que se constituem como sujeitos, que pesquisam e emitem opiniões sobre assunto de seu interesse produzem textos melhores.

Referências Bibliográficas:

BAGNO, Marcos. Pesquisa na escola, 6, ed. São Paulo: Edições Loyola, 2001.
BEARD, R. Teaching and learning in higher education. Middlesex, England: Peguin Books, 1972. Versão e adaptação de José Florêncio Rodrigues Jr., Universidade Católica de Brasília.
DELL’ISOLA, Regina Lúcia Péret & MENDES, Eliana Amarante de Mendonça (orgs.). Reflexões sobre a língua portuguesa: ensino e pesquisa. Campinas, SP: Pontes, 1997.
FAZENDA, Ivani (org.). Metodologia da pesquisa educacional, 4 ed. São Paulo: Cortex, 1997.
FARIA, Maria Alice. O jornal na sala de aula, 4 ed. São Paulo: Contexto, 1999.
FRANCO, Ângela. Metodologia de ensino: Língua Portuguesa, Belo Horizonte, Editora Lê: Fundação Helena Antipoff, 1997.
GERALDI, João Wanderley. (org.) O texto na sala de aula, 3 ed. São Paulo: Ática, 2002.
HUHNE, Leda Miranda (org.) Metodologia científica: caderno de textos e técnicas, 7 ed. Rio de Janeiro: 2002.
JAQUES, D. The International Encyclopedia of Teaching and Teacher education. Oxfor: Pergamon Press, 1987. Tradução de Josê Florêncio Rodrigues Jr., Universidade Católica de Brasília.
KLEIMAN, Ângela. Leitura: ensino e pesquisa. Campinas, SP: Pontes, 1989.
PARRA FILHO, Domingos & SANTOS, João Almeida. Metodologia Científica, 3 ed. São Paulo: Futura, 1998.
KOCH, Ingedore Villaça. A coesão textual, 2 ed. São Paulo: Contexto, 1990.
RODRIGUES JUNIOR, José Florêncio. Manual para formação do Instrutor. Brasília: Universa, 2002.

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